quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Declaração de amor

Depois de ter ido com a minha mãe ao oftalmologista em Lagos parei no miradouro a vermos a vista e sai-se com um:

"Acho que se tivesse outra filha não gostava tanto dela como gosto de ti"

E fico eu de coração pequenino e lágrima no canto do olho...

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A minha mãe, como era

Vou falar um pouco do passado da minha mãe.
Nasceu a 11 de Março de 1946 (e eu em 1983!), no Porto, de onde toda a família da minha mãe é originária.

Não foi uma filha desejada, até porque o pai da minha mãe a rejeitou, pelo que foi criada pela minha avó e bisavó (que não conheci).
Viveu no Porto e concluiu o 12º ano num colégio interno.

Nessa altura a minha avó vivia em Lisboa e aí conheceu o meu avô, não de sangue mas aquele a quem sempre chamei de avô e que era de Monchique.
Eles decidiram vir para o Algarve, compraram uma quinta em Alcalar, onde tinham muitas pessoas a trabalhar para eles na apanha dos figos, amêndoas, cultivo, animais, etc Foram tempos fartos esses para os meus avós.

A minha mãe quando terminou o colégio veio cá para baixo para ao pé deles. Não foi fácil a adaptação, estava habituada a ter amigas da sua idade no colégio e ao meio citadino do Porto e o que encontrou por cá foi muito trabalho no campo e pouca convivência senão com os trabalhadores da quinta. Mais, os meus avós eram extremamente controladores e exigentes. Além disso, durante algum tempo obrigaram-na a chamar-lhes de padrinhos, dando a entender às pessoas que não era filha (fora do casamento) da minha avó. Muito triste, sempre guardou alguma mágoa por isso e compreendo perfeitamente pois não se faz!

A minha mãe era muito alta e magrinha e carregava coisas pesadas e tirava baldes de água da nora e muitas vezes eram os próprios trabalhadores que diziam "Menina Marina não faça isso, deixe que eu faço". Falando nisso, lembro-me de em criança, pessoas que a minha mãe conhecia desse tempo sempre continuaram a tratar por menina Marina.

Surgiu a oportunidade de ir para Connecticut, USA trabalhar durante uns tempos como babysitter e a minha mãe foi. Pensou ficar por lá. Mas a pressão dos meus avós para voltar, junto com a promessa de uma vida melhor numa casa que haviam comprado e as fotografias da casa, fê-la sonhar e acreditar e voltou.

Continuou a vida controlada e reprimida. Basicamente segundo o que a minha mãe sempre contou, eles queriam tê-la em casa com eles, sem trabalhar e sem se dar com muitas pessoas que a pudessem desviar. Durante um tempo a minha avó dava aulas a crianças e a minha mãe ajudava e o meu avô foi taxista. Depois abriram uma loja de artesanato onde trabalhavam os três. Posso dizer que foi na época áurea do turismo! Anos 80. Eram muitos e muitos turistas e que compravam muita coisa ao contrário de agora. Era a casa cheia e não havia mãos a medir nem olhos suficientes para controlar tudo. Foi uma chance que a minha mãe teve de novo de se expandir e ser muito comunicativa, sociável e fazer amizades e conhecimentos, portugueses e estrangeiros.

Contra a vontade dos meus avós a minha mãe conheceu o meu pai e começaram a namorar. Casaram a 12 de Junho de 1982 e 9 meses passados nascia eu a 11 de Março no dia de aniversário da minha mãe. Fui criada com muito mimo é bem verdade. Embora sempre tivesse pedido irmãos, mas a minha mãe já tinha 37 quando me teve e foi uma cesariana complicada. Mas sempre fui algo mimada mas quero crer que não em demasia.

Ah desde novinha a minha mãe sempre me estimulou para aprender. Posso dizer que antes de saber ler e como ela ia seguindo com o dedo à medida que me lia, havia livros que eu conseguia "ler" por ter decorado os textos tal e qual e sabia onde estavam escritas as coisas. Além disso fui para a escola primária já a saber ler, escrever e fazer contas!

Na véspera dos meus 6 anos a minha avô faleceu de cancro do endométrio. Lembro-me perfeitamente dela internada, das idas ao Ipo em Lisboa, de ir vestida de capuchinho vermelho levar-lhe uns bolinhos e do meu dia de anos pois foi muito esquisito. Houve uma festinha mas na casa dos vizinhos e eu achava tudo muito estranho. Só me explicaram sobre a minha avó depois do aniversário e do funeral.
A minha mãe e o meu avô continuaram a loja de artesanato e eu adorava ajudar quando saia da escola e nas férias. Fazer embrulhos, falar inglês, conversar com os turistas que me davam gorjetas, fazer os trocos...

Aí a partir de 1995 o meu pai teve de ir para Lisboa trabalhar. A minha mãe embora tivesse a carta nunca conduziu, apesar das tentativas do meu pai, lembro-me em miúda de muitas vezes irmos dar voltinhas em urbanizações desertas, mas a minha mãe ficava sempre nervosa a conduzir e não atinava com aquilo. Então o meu avô é que andava sempre comigo e com ela. O meu pai vinha cá abaixo com frequência e eu e a minha mãe lá acima de comboio até ao Barreiro e depois o barco, pois nesse tempo ainda não havia comboio debaixo da ponte 25 de Abril.

Acabei o secundário e fui para Lisboa e os meus pais também pois nessa altura o meu pai estava em pré-reforma do trabalho (receber para ficar em casa) e a minah mãe entregou a loja ao senhorio, pois era uma prisão e já não dava muito dinheiro, e também porque tivemos uma grande desilusão com o meu avô. Casou com uma prima que foi um namoro de infância e ela nunca a esqueceu, aliás viveu frustrada toda a vida por ele ter casado com a minha avó. A senhora era má, com grande fama entre os seus alunos e não só.
Conseguiu virar o meu avô contra nós pois queria-o só para ele, foi uma altura complicada para nós. Até ao dia em que a senhora faleceu e voltámos a ser uma família, nunca falámos com ele no que se passou para não remexer na ferida mas aceitámo-lo de volta, afinal ele também não tinha mais ninguém.

Nessa altura mais ou menos os meus pais decidiram voltar para baixo e eu fiquei por Lisboa mais uns anos.
Quando decidi vir para baixo e voltei a casa dos meus pais é claro que surgiram algumas diferenças entre mim e a minha mãe. Eu habituada a ter as coisas à minha maneira ou a comer apenas se queria ou as horas que queria ou chegar quando queria. Mas não correu mal. Em 2008 resolvi sair de casa e remodelar o apartamento onde cresci e que estava alugado anteriormente a pessoas, para me mudar e viver com o meu ex-namorado.

Embora a minha mãe sempre tenha incentivado a que eu abrisse asas e voasse do ninho e me orientasse na vida, acho que foi um golpe para ela. Como filha única deve ter-se sentido como missão cumprida e tive receio que se sentisse inútil ou assim.

A ser sincera e olhando para trás acho que foi aí que comecei a notar diferenças nela.