sábado, 29 de setembro de 2012

Falar sobre Alzheimer em público

Ontem participei de um evento onde cada speaker podia falar sobre um tema à sua escolha. Inspirar, sensibilizar, trocar ideias era esse o objectivo. E eu fui falar sobre doença de Alzheimer.

Estou mais que habituada a falar em público. Não fico nervosa nem nada. Desta vez o formato era diferente (5 minutos por speaker, 20 slides a passar automaticamente a cada 15 segundos) e eu estou habituada a apresentações maiores e eu a passar os slides quando quero.

Preparei a apresentação, os tempos, etc Tinha pensado falar um pouco sobre a doença e depois do meu caso pessoal.
Mas no palco tive um bloqueio. Apercebi-me que teria sido melhor não ter posto texto nenhum, apenas imagens e falar. Assim tive dificuldade em fazer a transição da informação e parte racional para a parte emotiva. No entanto quando fiquei bloqueada toda a plateia bateu palmas :)

No intervalo uma senhora veio dar-me um beijinho e dizer que está solidária pois já teve um familiar com esta doença e fiquei logo de lágrimas nos olhos. O speaker que abriu a segunda parte antes de falar deu-me os parabéns pela coragem e todos me aplaudiram. Apreciei o gesto :) Não é que tenha ficado triste comigo (sabia que corria um risco grande falando deste tema que me emociona muito) mas esperava ter conseguido transmitir mais de mim. Foi no entanto uma boa experiência.

sábado, 22 de setembro de 2012

Os óculos

Por vezes a minha mãe (que tem muita miopia e vê muito mal) tem-se esquecido dos óculos. No outro dia o meu pai trouxe-a e nem reparou. Chamei à atenção para reparar se ela tem os óculos ou não, mas coitado tem tanto que reparar.

Hoje esqueceu-se de os pôr e ia à rua com a cadela. Não gosto nada pois sem os óculos é mais perigoso, com algum carro ou tropeçar. Procurei e procurei e não encontrei, lá ver se o meu pai já encontrou. Esperemos que não os tenha posto num sítio sem jeito.

Depois de lá ir trouxe-a para minha casa um pouco, mas passado um bocado já estava ansiosa de ir para casa e que o meu pai nunca mais vinha. Tanto que até tentou descer as escadas do prédio várias vezes, uma conseguiu e o John lá foi atrás dela pois eu estava a tomar banho.

No entanto nos últimos dias tem tomado o compirmido e está com o adesivo de Exelon. O meu pai diz que ela está mais calma e mais beijinhos.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Como eu me sinto

Já devo ter dado umas pistas de como me sinto perante certas situações. Vou falar como me sinto no geral.

Para começar digo: Não é fácil!

Tem alturas que me sinto muito em baixo, sem energia e que não consigo dar conta do recado. Tento passar tempo com os maus pais, tirar a minha mãe de casa mas sinto quase sempre que não faço o suficiente. Quero ajudar em coisas na casa deles, despachar a roupa a mais que têm, dar uma volta na garagem que está atolada de tralha do meu pai, ajudar a vender umas jóias que nem a minha mãe nem eu vamos usar, vender os milhentos livros que herdámos há uns anos e não consigo chegar a fazê-lo na verdade. Tudo me parece demasiado difícil ou trabalhoso e que não dou conta do recado.

Tenho a minha cabeça a mil e isto tem-se vindo a reflectir em mim e na minha própria casa. Não consigo arrumar os roupeiros do quarto do fundo e do escritório nem a montanha de papelada que tenho de escolher o que guardo e o que reciclo, coisas que bem preciso fazer, mesmo para tornar a casa mais harmoniosa e tanto eu como o John nos sentirmos melhor. Quero fazer as coisas mas tudo me parece uma coisa gigantesca e que não tenho tempo. Também eu que sempre gostei de fazer mil coisas, actividades e ar livre, aí desde Março tenho vindo a recolher-me um pouco mais em casa. No entanto isto é para mudar! E o John tem ajudado muito :)

Quanto a situações concretas com a minha mãe... Não é fácil conseguir dar sempre a resposta certa ou ter a melhor atitude em situações que não nos são normais. Tenho dificuldade em engolir a minha tristeza e frustração em certos momentos e recrimino-me pensando que devia ter dito assim ou não devia ter feito assado. A verdade é que ninguém nasce ensinado. E eu estou a aprender a lidar com isto. E estou a aprender a lidar com isto numa idade em que a maioria das pessoas da minha idade não têm de lidar com isto. Ou se lidam, lidam com avós com esta doença, não uma mãe. Têm pais activos, alguns ainda a trabalhar, pais que ajudam a tomar conta dos netos, etc Eu não, não tenho nem vou ter. Sinceramente acho que deve ajudar um bocadinho a quem esteja na minha situação e já tenha tido filhos. Vai aprendendo a educar, a guiar, a como responder às situações. Ao fim e ao cabo por vezes tenho de pensar na minha mãe como uma criança. Mas é a minha mãe! Eu não estava preparada para ser mãe da minha mãe, aos 29 anos. Aos 29 anos está-se preparada (mais ou menos) para ser mãe de uma criança é esse o decorrer normal da vida, não assim.

Penso também que se tivesse irmãos (que eu sempre quis) seria tão bom! Ter alguém que ajudasse e sentisse o mesmo que eu, que pudéssemos partilhar e deabafar. Porque por mais que eu explique e que me ouçam e compreendam, não poderão compreender, pois só quem vive isto é que pode compreender. Sempre disse que jamais teria um só filho e ainda mais afirmo isso. Além da cumplicidade, partilha de momentos irmãos (normalmente, claro que há irmãos que não se dão e detestam) podem partilhar momentos difíceis e serem ponto de apoio.

Portanto não tem sido fácil não. Tenho algum receio do futuro. Mas tento não pensar muito nisso. Mas Alzheimer vai sempre para pior e chega uma altura que as pessoas deixam de conhecer a família ou que começam a colocar-se em perigo, esquecem como comer, falar, andar, ir ao wc, etc Claro que isso me preocupa. E como me sentirei eu um dia se a minha mãe não souber quem eu sou? E o meu pai? Tem sido sempre uma preocupação, pois ele tem alturas que está exausto e eu não posso deixar que ele se afunde, aliás por isso mesmo tenho sugerido ir uma pessoa lá a casa para dar apoio à minha mãe e à casa. Até já tenho preços. Mas ele tem-se recusado dizendo que entretanto vai dando conta.

Vou fazendo o melhor que consigo. Mas sinto-me imperfeita e perdida. Tenho aprendido a como lidar com esta situação, adaptado a esta nova relação de mãe e filha que ajuda a dar banho, a cuidar, dá colo, etc Mas ainda tenho muito que aprender...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nova ida ao neurologista

Levei a minha mãe de novo ao Dr. Mário em Faro. Isto porque tinha ouvido falar do Exelon em adesivos e talvez a minha mãe aceite melhor um adesivo nas costas do que os comprimidos, que nunca conseguimos que tome.

Desta vez fomos só as duas, tinha sido o funeral do meu avô no dia anteiror e o meu pai anda exausto. Esteve o tempo todo muito calma. Da outra vez levava a reclamar comigo e com o meu pai que não precisava de ir, não estava doente, etc Assinou a ficha da consulta com dificuldade e à segunda tentativa. Na consulta muito bem disposta e quando viu o médico (já se devia ter esquecido quem era) alegrou-se logo e disse que tinha gostado muito dele.

Expliquei que não havia melhores, pelo contrário, que não tem colaborado tomando os comprimidos e perguntei o que achava do adesivo. O médico concordou e além disso conversou bastante com a minha mãe. Quando lhe falou dos comprimidos ela respondeu com cara de menina que sabe que tem feito asneira "não me tenho portado bem doutor". Ele escreveu de novo um papel a dizer que ela precisa de fazer a medicação para ela assinar em como se compromete e lhe mostrarmos sempre que for teimosinha. Lá ver...

Veio para casa muito calma também. Correu bem :)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O voltar das férias e o funeral do meu avô

Estive de férias com o John. Costa alentejana, Zambujeira, Porto Covo, Lagoa de Santo André, Tróia, ferry a Setúbal, Arrábida, Portinho, Sesimbra, Lisboa, Sintra, Ericeira, Cabo da Roca, Évora foram alguns dos locais. Soube muito bem :)

Quando cheguei já o meu pai tinha avisado que o meu avô João (pai do meu pai) estava no hospital. Não me tinha era dito que estava mal. Cheguei de noite já tarde e lá fui na hora de visita vê-lo. Estava inconsciente e numa sala onde nunca tinha estado. Era a quarta vez que o meu avô estava no hospital este ano. 92 anos. A anterior ele tinha estado todo reguila, a querer ir para o centro, recusou-se a dar urina para análise e a reclamar por lhe porem as grades laterais na cama que o impediam de ir ao wc sem chamar alguém, pois não o queriam de pé.

Pronto mas desta vez estava inconsciente e custou-me muito. Os meus pais também tinham lá ido e era a primeira vez que os via depois das férias pois tinha chegado já tarde no dia anterior. Olho para a minha mãe com atenção e tinha um chinelo num pé e um sapato no outro! Falei no assunto, ficou toda atrapalhada até porque reparei logo nas unhas dos pés enormes e eu que pensava que o meu pai tinha tratado disso. Bem sei que é complicado estar atento a todos os pormenores. Peço à minha mãe para pedir ajuda quando não consegue fazer uma coisa e lá vamos a caminho de casa para a fazer tomar um duche para o meu pai poder cortar as unhas. Tinha acabado de vir de férias e foi logo um banho de realidade, um voltar ao caos que é por vezes a minha vida.

Quanto ao meu avô desta vez vi logo que era diferente. Sempre inconsciente, diziam-nos que o estado era delicado, os rins estavam a deixar de funcionar, etc Fartei-me de chorar já a antever o que se ia passar. Faleceu no domingo de manhã, o meu pai ligou-me. Eu tinha sido a última pessoa a vê-lo, a falar com ele e fazer festinhas. Não sei se ele sentiu ou não, nunca se manifestou. Talvez por já ter chorado bastante antes, não chorei muito com a notícia, ao fim e ao cabo já estava à espera.

Passado um pouco de o meu pai me ter dado a notícia, vou a casa dos meus pais. A minha mãe estava impossível! A implicar com o meu pai, que era isto e aquilo, coisas dela, o direccionar da tristeza a frustração dela com a doença para o principal foco que tem sido sempre o meu pai. Digo que a levo para minha casa e para almoçarmos juntos, para ele ter tempo para fazer o que quiser sozinho e depois ir lá ter. Achei que precisava de estar sozinho sem a minha mãe a chatear e contra ele. Lá fomos. Claro que passado um bocado já ela estava a perguntar mil vezes por ele. Eu expliquei que estávamos num momento difícil e que agradecia muito a colaboração dela e para não chatear o pai. Quando ele chegou já estava toda abracinhos e beijinhos. Normalmente quando ela está nas crises contra ele se a levar embora por um bocado começa logo a perguntar por ele e depois quando o vê é só mel. Normal em doentes de Alzheimer. Principal cuidador leva com a fúria da pessoa se ver assim, mas ao mesmo tempo tem uma relação muito dependente.

Almoçámos lá em minha casa, tudo bem. Passado um pouco começa o "quero ir para casa" e o "vamos para casa" mil vezes. O meu pai estava a gostar de estar e relaxar, sentado no sofá a comer gelado e a minha mãe sempre a querer ir para casa. Começa a ficar nervosa e agitada por não fazerem o que queria e sai-me escadas abaixo. Vou atrás dela e tento impedi-la e parar. Não quer subir de novo, sentámos nas escadas do prédio. Como convencê-la a subir? "Mãe estava a pensar que o John ainda não conhece Alcalar (a quinta onde viveu com os meus avós uns anos e o meu avô vendeu era eu pequena) queres ir msotrar-lhe?". Resposta dela "Ai gostava muito de lá ir, achas que ele gostava de ir?" "Claro que sim, vamos subir e perguntas-lhe?" E lá consegui que subisse e acalmasse.

"John queres ir a Alcalar ver uma quinta que foi nossa?" disse ela. Pronto lá fomos nós ao passeio que demorou grande parte da tarde. A minha mãe toda entusiasmada. "Ali mora o Chico" "Esta casa era do Zé Manel". Lá está, memórias antigas permanecem. No entanto chegou um ponto em que ficou confusa e disse que a seguir eram as Alfarrobeiras e a Donalda, ora isso é a seguir à casa dos meus pais, não de onde estávamos.

Mas foi um passeio positivo para apaziguar as coisas e distrair, especialmente tendo em conta o momento.

No dia seguinte, dia do funeral não começou bem. O meu pai liga, estava a fazer a bainha das calças (está quase uma fada do lar, tem de se desenrascar) e ouço a minha mãe blablabla a resmungar com ele e ela e reclamar que nem se conseguia concentrar. Felizmente a minha tia foi lá e acalmou-a.

De tarde no funeral, a família reunida, embora seja família pequena. Felizmente a minha mãe portou-se muito bem e andou sempre de mão ou braço dado com o meu pai, ou comigo. Tentei aguentar-me, algumas lágrimas mas fiz-me de forte.

Vou ter saudades tuas avô!