domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal

Ao contrário de quem tem uma família grande o Natal na nossa família era relativamente calmo.
Claro que em criança era diferente e mais animado, por vezes com os meus tios e prima, mas a relação com os meus tios Zé e Irene e a minha prima Filipa já uns bons anos não é o que era. Eu da minha prima desde um certo acontecimento há uns anos que decidi dizer chega, cansei-me de fechar os olhos a certas desfeitas e ser só o estritamente necessário. Os meus tios Paula e Fernando e primo Mário de Lisboa sempre têm passado o Natal com a família do tio Fernando em Viseu e passagem de ano cá em baixo.
Por cá foi o terceiro ano que foi em minha casa em vez da dos meus pais (a dos meus pais é fria de Inverno) e com a companhia do meu avô João, que está no centro pertinho da minha casa.
Toda a refeição e alguns, poucos doces feitos por mim. Basicamente a minha mãe senta-se e espera que as coisas estejam prontas, afinal em casa deles ela pouco cozinha já e o meu pai até perfere do que ela fazer disparates. Como eu tinha pedido ao meu pai para me trazer bacalhau para o jantar e ele esqueceu, o jantar atrasou-se um pouco. A minha mãe que tinha chegado às 19h e ficou comigo, enquanto o meu pai ia a casa buscar o bacalhau, eram 20.30 e o jantar a fazer e já estava a dizer que queria para casa. "Mas mãe é a consoada e o jantar está quase feito" disse eu. A minha mãe está muito impaciente e uma noção do tempo alterada, para ela uma hora deve ser imensooo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O perceber que algo não estava bem


2009 e 2010 acho que já se começava a notar que algo não estava muito bem. O perguntar várias vezes a mesma coisa, ela que era pessoa de limpar o que estava limpo e sempre cheia de energia começou a desleixar-se nas coisas da casa, cozinhar sempre as mesmas coisas pouco variando, o quando eu e o meu ex íamos lá comer ser uma confusão para ela e gente a mais.

Fim de 2010 achámos melhor ir a um neurologista para ver dos esquecimentos. Falou em demência gradual que poderia evoluir para Alzheimer. E passou medicação que a minha mãe, que sempre foi anti medicamentos nunca tomou. Como essa neurologista era em Lisboa nem sempre eu podia ir, mas uma vez tentei ligar antes da consulta para lhe contar as coisas como eram, pois a minha mãe sempre atenuava tudo e dizia que era normal e estava tudo bem, mas não consegui falar com ela. Mas também depois vi que nem tinha feito diferença quando o meu pai me disse que da "próxima não valia a pena levá-la pois era só passar a medicação". Passei-me com a falta de interesse nela e em nós familiares e desde então tem sido segida em Faro pelo dr. Mário.

Bem como tinha dito o perguntar as coisas várias vezes, o fazer confusão grandes alterações do quotidiano, a gradual apatia com a casa, o sair de casa e conviver cada vez menos (por não conduzir e por não gostar de pedir boleia nem andar de autocarro) preocupavam-me.
Eu sempre tentei nos últimos 7 anos que ela se inscrevesse nalguma actividade ou ginástica de manutenção mas nunca quis.

Também tentei há uns anos convencê-los a mudar para o centro da cidade onde a minha mãe podia sair e estar com pessoas sem depender de transporte mas a ideia foi recusada por ambos.
Fomo-nos apercebendo do acumular de coisas como papelinhos numa gaveta do wc, de embalagens da carne, das tacinhas dos patés dos cães e de um ou outro disparate como por exemplo esparguete com arroz. A mim fazia-me também confusão o caos que a casa se estava a tornar e se dizia alguma coisa ou ficava toda ofendida "manda na tua casa que eu mando na tua" ou "era o que faltava vires dar palpites" ou um irónico "não queres vir limpar?". Sinceramente acho que parte de 2011 o meu refúgio foi não ir lá muitas vezes pois incomodava-me ver o rumo que as coisas estavam a tomar. Aliás nesse ano viajei bastante (Barcelona, Bristol, Sardenha, Suiça e Irlanda e Irlanda do Norte, mais do que tinha viajado a vida toda) e foi também um ano de crescimento interior pois tinha feito alterações na minha vida no ano anterior terminando um relacionamento de 8 anos.

Em meados de Outubro (ver o post Banho de realidade) parece que acordei e finalmente aceitei que realmente a minha mãe tem Alzheimer, tinha feito exames e tudo apontava para isso em conjunto com os sintomas (embora seja uma doença cujo diagnóstico certo só com necrópsia a tecido cerebral). Tento não me sentir mal com isso, pois é um facto que os familiares de pessoas com Alzheimer tem dificuldade em aceitar e tentam refugiar-se em "é normal, é da idade". Mas não, não era normal nem da idade. Aliás a minha mãe até é nova, pois costumam ser pessoas mais velhas com isto, embora cada vez mais vá atingido pessoas mais jovens, a partir dos 60.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E repetirei...

Escrevi no meu facebook...
E repetirei quantas vezes forem precisas a resposta às perguntas que me fazes vezes sem conta.
Te direi o mesmo, de novo, como se fosse a primeira vez, com um sorriso nos lábios mesmo que eu chore por dentro.
Engolirei a impaciência e o desespero que por vezes me assola, camuflando a tristeza que sinto para que não te apercebas e fazendo dos meus medos, força. Força por ti, pelo pai, por mim.
Mas tenho medo, não consigo evitar. Porque eu sou ainda uma criança e preciso de ti, do teu colo e do teu calor.
Como eu gostaria de parar no tempo ou pequenina voltar a ser. Porque tão bom era aquele tempo em que um sonho mau eu tinha e tu vinhas e me dizias que estava tudo bem. E tudo ficava bem.
Pudesse eu reverter a passagem do tempo e encontrar a fonte da juventude para os anos te passarem mais devagar. Porque és o meu porto de abrigo e porque preciso de ti. Por tudo que és, por tudo o que me fizeste ser, farei o meu melhor.

Normalmente não gosto de escrever coisas muito pessoais, mas foi um desabafo...
Tive vários comentários muito positivos

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Banho de realidade

Olhando para trás foi mais ou menos nesta data que eu caí em mim e comecei a aceitar que era mesmo Alzheimer e não, não era normal da idade.
Em Agosto na minha viagem à Irlanda e Irlanda do Norte conheci o John, o meu namorado. Na altura do Halloween fui vê-lo a Derry e até foi quando conheci os seus pais e alguns amigos deles, o que ao fim e ao cabo me ia ajudar a perceber até que ponto para ele era sério esta relação à distância. Correu tudo muito bem e quando regressei resolvi contar aos meus pais o motivo por ter ido lá e que tinha namorado e falei um pouco dele. Ficaram felizes por mim :)
No dia seguinte a ter contado comentei qualquer coisa sobre "o meu amor" e a minha mãe pergunta-me "quem é o teu amor?". Respondo: então mãe, é o John ainda ontem te contei dele. Resposta dela "eu não sei nada disso, não em contaste nada".
Foi um balde de água fria, foi um desabar e uma banho de realidade. A minha mãe tinha esquecido uma coisa tão importante. A minha mãe de antes, como qualquer mãe dita normal jamais esqueceria uma coisa importante como esta...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Declaração de amor

Depois de ter ido com a minha mãe ao oftalmologista em Lagos parei no miradouro a vermos a vista e sai-se com um:

"Acho que se tivesse outra filha não gostava tanto dela como gosto de ti"

E fico eu de coração pequenino e lágrima no canto do olho...

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A minha mãe, como era

Vou falar um pouco do passado da minha mãe.
Nasceu a 11 de Março de 1946 (e eu em 1983!), no Porto, de onde toda a família da minha mãe é originária.

Não foi uma filha desejada, até porque o pai da minha mãe a rejeitou, pelo que foi criada pela minha avó e bisavó (que não conheci).
Viveu no Porto e concluiu o 12º ano num colégio interno.

Nessa altura a minha avó vivia em Lisboa e aí conheceu o meu avô, não de sangue mas aquele a quem sempre chamei de avô e que era de Monchique.
Eles decidiram vir para o Algarve, compraram uma quinta em Alcalar, onde tinham muitas pessoas a trabalhar para eles na apanha dos figos, amêndoas, cultivo, animais, etc Foram tempos fartos esses para os meus avós.

A minha mãe quando terminou o colégio veio cá para baixo para ao pé deles. Não foi fácil a adaptação, estava habituada a ter amigas da sua idade no colégio e ao meio citadino do Porto e o que encontrou por cá foi muito trabalho no campo e pouca convivência senão com os trabalhadores da quinta. Mais, os meus avós eram extremamente controladores e exigentes. Além disso, durante algum tempo obrigaram-na a chamar-lhes de padrinhos, dando a entender às pessoas que não era filha (fora do casamento) da minha avó. Muito triste, sempre guardou alguma mágoa por isso e compreendo perfeitamente pois não se faz!

A minha mãe era muito alta e magrinha e carregava coisas pesadas e tirava baldes de água da nora e muitas vezes eram os próprios trabalhadores que diziam "Menina Marina não faça isso, deixe que eu faço". Falando nisso, lembro-me de em criança, pessoas que a minha mãe conhecia desse tempo sempre continuaram a tratar por menina Marina.

Surgiu a oportunidade de ir para Connecticut, USA trabalhar durante uns tempos como babysitter e a minha mãe foi. Pensou ficar por lá. Mas a pressão dos meus avós para voltar, junto com a promessa de uma vida melhor numa casa que haviam comprado e as fotografias da casa, fê-la sonhar e acreditar e voltou.

Continuou a vida controlada e reprimida. Basicamente segundo o que a minha mãe sempre contou, eles queriam tê-la em casa com eles, sem trabalhar e sem se dar com muitas pessoas que a pudessem desviar. Durante um tempo a minha avó dava aulas a crianças e a minha mãe ajudava e o meu avô foi taxista. Depois abriram uma loja de artesanato onde trabalhavam os três. Posso dizer que foi na época áurea do turismo! Anos 80. Eram muitos e muitos turistas e que compravam muita coisa ao contrário de agora. Era a casa cheia e não havia mãos a medir nem olhos suficientes para controlar tudo. Foi uma chance que a minha mãe teve de novo de se expandir e ser muito comunicativa, sociável e fazer amizades e conhecimentos, portugueses e estrangeiros.

Contra a vontade dos meus avós a minha mãe conheceu o meu pai e começaram a namorar. Casaram a 12 de Junho de 1982 e 9 meses passados nascia eu a 11 de Março no dia de aniversário da minha mãe. Fui criada com muito mimo é bem verdade. Embora sempre tivesse pedido irmãos, mas a minha mãe já tinha 37 quando me teve e foi uma cesariana complicada. Mas sempre fui algo mimada mas quero crer que não em demasia.

Ah desde novinha a minha mãe sempre me estimulou para aprender. Posso dizer que antes de saber ler e como ela ia seguindo com o dedo à medida que me lia, havia livros que eu conseguia "ler" por ter decorado os textos tal e qual e sabia onde estavam escritas as coisas. Além disso fui para a escola primária já a saber ler, escrever e fazer contas!

Na véspera dos meus 6 anos a minha avô faleceu de cancro do endométrio. Lembro-me perfeitamente dela internada, das idas ao Ipo em Lisboa, de ir vestida de capuchinho vermelho levar-lhe uns bolinhos e do meu dia de anos pois foi muito esquisito. Houve uma festinha mas na casa dos vizinhos e eu achava tudo muito estranho. Só me explicaram sobre a minha avó depois do aniversário e do funeral.
A minha mãe e o meu avô continuaram a loja de artesanato e eu adorava ajudar quando saia da escola e nas férias. Fazer embrulhos, falar inglês, conversar com os turistas que me davam gorjetas, fazer os trocos...

Aí a partir de 1995 o meu pai teve de ir para Lisboa trabalhar. A minha mãe embora tivesse a carta nunca conduziu, apesar das tentativas do meu pai, lembro-me em miúda de muitas vezes irmos dar voltinhas em urbanizações desertas, mas a minha mãe ficava sempre nervosa a conduzir e não atinava com aquilo. Então o meu avô é que andava sempre comigo e com ela. O meu pai vinha cá abaixo com frequência e eu e a minha mãe lá acima de comboio até ao Barreiro e depois o barco, pois nesse tempo ainda não havia comboio debaixo da ponte 25 de Abril.

Acabei o secundário e fui para Lisboa e os meus pais também pois nessa altura o meu pai estava em pré-reforma do trabalho (receber para ficar em casa) e a minah mãe entregou a loja ao senhorio, pois era uma prisão e já não dava muito dinheiro, e também porque tivemos uma grande desilusão com o meu avô. Casou com uma prima que foi um namoro de infância e ela nunca a esqueceu, aliás viveu frustrada toda a vida por ele ter casado com a minha avó. A senhora era má, com grande fama entre os seus alunos e não só.
Conseguiu virar o meu avô contra nós pois queria-o só para ele, foi uma altura complicada para nós. Até ao dia em que a senhora faleceu e voltámos a ser uma família, nunca falámos com ele no que se passou para não remexer na ferida mas aceitámo-lo de volta, afinal ele também não tinha mais ninguém.

Nessa altura mais ou menos os meus pais decidiram voltar para baixo e eu fiquei por Lisboa mais uns anos.
Quando decidi vir para baixo e voltei a casa dos meus pais é claro que surgiram algumas diferenças entre mim e a minha mãe. Eu habituada a ter as coisas à minha maneira ou a comer apenas se queria ou as horas que queria ou chegar quando queria. Mas não correu mal. Em 2008 resolvi sair de casa e remodelar o apartamento onde cresci e que estava alugado anteriormente a pessoas, para me mudar e viver com o meu ex-namorado.

Embora a minha mãe sempre tenha incentivado a que eu abrisse asas e voasse do ninho e me orientasse na vida, acho que foi um golpe para ela. Como filha única deve ter-se sentido como missão cumprida e tive receio que se sentisse inútil ou assim.

A ser sincera e olhando para trás acho que foi aí que comecei a notar diferenças nela.