quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A minha mãe, como era

Vou falar um pouco do passado da minha mãe.
Nasceu a 11 de Março de 1946 (e eu em 1983!), no Porto, de onde toda a família da minha mãe é originária.

Não foi uma filha desejada, até porque o pai da minha mãe a rejeitou, pelo que foi criada pela minha avó e bisavó (que não conheci).
Viveu no Porto e concluiu o 12º ano num colégio interno.

Nessa altura a minha avó vivia em Lisboa e aí conheceu o meu avô, não de sangue mas aquele a quem sempre chamei de avô e que era de Monchique.
Eles decidiram vir para o Algarve, compraram uma quinta em Alcalar, onde tinham muitas pessoas a trabalhar para eles na apanha dos figos, amêndoas, cultivo, animais, etc Foram tempos fartos esses para os meus avós.

A minha mãe quando terminou o colégio veio cá para baixo para ao pé deles. Não foi fácil a adaptação, estava habituada a ter amigas da sua idade no colégio e ao meio citadino do Porto e o que encontrou por cá foi muito trabalho no campo e pouca convivência senão com os trabalhadores da quinta. Mais, os meus avós eram extremamente controladores e exigentes. Além disso, durante algum tempo obrigaram-na a chamar-lhes de padrinhos, dando a entender às pessoas que não era filha (fora do casamento) da minha avó. Muito triste, sempre guardou alguma mágoa por isso e compreendo perfeitamente pois não se faz!

A minha mãe era muito alta e magrinha e carregava coisas pesadas e tirava baldes de água da nora e muitas vezes eram os próprios trabalhadores que diziam "Menina Marina não faça isso, deixe que eu faço". Falando nisso, lembro-me de em criança, pessoas que a minha mãe conhecia desse tempo sempre continuaram a tratar por menina Marina.

Surgiu a oportunidade de ir para Connecticut, USA trabalhar durante uns tempos como babysitter e a minha mãe foi. Pensou ficar por lá. Mas a pressão dos meus avós para voltar, junto com a promessa de uma vida melhor numa casa que haviam comprado e as fotografias da casa, fê-la sonhar e acreditar e voltou.

Continuou a vida controlada e reprimida. Basicamente segundo o que a minha mãe sempre contou, eles queriam tê-la em casa com eles, sem trabalhar e sem se dar com muitas pessoas que a pudessem desviar. Durante um tempo a minha avó dava aulas a crianças e a minha mãe ajudava e o meu avô foi taxista. Depois abriram uma loja de artesanato onde trabalhavam os três. Posso dizer que foi na época áurea do turismo! Anos 80. Eram muitos e muitos turistas e que compravam muita coisa ao contrário de agora. Era a casa cheia e não havia mãos a medir nem olhos suficientes para controlar tudo. Foi uma chance que a minha mãe teve de novo de se expandir e ser muito comunicativa, sociável e fazer amizades e conhecimentos, portugueses e estrangeiros.

Contra a vontade dos meus avós a minha mãe conheceu o meu pai e começaram a namorar. Casaram a 12 de Junho de 1982 e 9 meses passados nascia eu a 11 de Março no dia de aniversário da minha mãe. Fui criada com muito mimo é bem verdade. Embora sempre tivesse pedido irmãos, mas a minha mãe já tinha 37 quando me teve e foi uma cesariana complicada. Mas sempre fui algo mimada mas quero crer que não em demasia.

Ah desde novinha a minha mãe sempre me estimulou para aprender. Posso dizer que antes de saber ler e como ela ia seguindo com o dedo à medida que me lia, havia livros que eu conseguia "ler" por ter decorado os textos tal e qual e sabia onde estavam escritas as coisas. Além disso fui para a escola primária já a saber ler, escrever e fazer contas!

Na véspera dos meus 6 anos a minha avô faleceu de cancro do endométrio. Lembro-me perfeitamente dela internada, das idas ao Ipo em Lisboa, de ir vestida de capuchinho vermelho levar-lhe uns bolinhos e do meu dia de anos pois foi muito esquisito. Houve uma festinha mas na casa dos vizinhos e eu achava tudo muito estranho. Só me explicaram sobre a minha avó depois do aniversário e do funeral.
A minha mãe e o meu avô continuaram a loja de artesanato e eu adorava ajudar quando saia da escola e nas férias. Fazer embrulhos, falar inglês, conversar com os turistas que me davam gorjetas, fazer os trocos...

Aí a partir de 1995 o meu pai teve de ir para Lisboa trabalhar. A minha mãe embora tivesse a carta nunca conduziu, apesar das tentativas do meu pai, lembro-me em miúda de muitas vezes irmos dar voltinhas em urbanizações desertas, mas a minha mãe ficava sempre nervosa a conduzir e não atinava com aquilo. Então o meu avô é que andava sempre comigo e com ela. O meu pai vinha cá abaixo com frequência e eu e a minha mãe lá acima de comboio até ao Barreiro e depois o barco, pois nesse tempo ainda não havia comboio debaixo da ponte 25 de Abril.

Acabei o secundário e fui para Lisboa e os meus pais também pois nessa altura o meu pai estava em pré-reforma do trabalho (receber para ficar em casa) e a minah mãe entregou a loja ao senhorio, pois era uma prisão e já não dava muito dinheiro, e também porque tivemos uma grande desilusão com o meu avô. Casou com uma prima que foi um namoro de infância e ela nunca a esqueceu, aliás viveu frustrada toda a vida por ele ter casado com a minha avó. A senhora era má, com grande fama entre os seus alunos e não só.
Conseguiu virar o meu avô contra nós pois queria-o só para ele, foi uma altura complicada para nós. Até ao dia em que a senhora faleceu e voltámos a ser uma família, nunca falámos com ele no que se passou para não remexer na ferida mas aceitámo-lo de volta, afinal ele também não tinha mais ninguém.

Nessa altura mais ou menos os meus pais decidiram voltar para baixo e eu fiquei por Lisboa mais uns anos.
Quando decidi vir para baixo e voltei a casa dos meus pais é claro que surgiram algumas diferenças entre mim e a minha mãe. Eu habituada a ter as coisas à minha maneira ou a comer apenas se queria ou as horas que queria ou chegar quando queria. Mas não correu mal. Em 2008 resolvi sair de casa e remodelar o apartamento onde cresci e que estava alugado anteriormente a pessoas, para me mudar e viver com o meu ex-namorado.

Embora a minha mãe sempre tenha incentivado a que eu abrisse asas e voasse do ninho e me orientasse na vida, acho que foi um golpe para ela. Como filha única deve ter-se sentido como missão cumprida e tive receio que se sentisse inútil ou assim.

A ser sincera e olhando para trás acho que foi aí que comecei a notar diferenças nela.

2 comentários:

  1. Elsa, não fiquei indiferente ao comentário no Post “Ser filho único é”. Resolvi vir conhecer-te melhor – posso tratar-te por tu, não posso? – e fiquei verdadeiramente emocionada.
    Ainda que não possa sequer imaginar aquilo porque estás a passar, sei precisamente ao que te referes quando dizes que talvez um irmão te pudesse tirar alguns fardos de cima. Que se fosses duas poderias apoiar mais os teus pais, poderiam ser duas a dar-lhes amor, carinho e ajuda. Que se por acaso tivesses de te ausentar, ficarias descansada por saberes que eles não estavam sozinhos.
    Nisto pelo menos eu compreendo-te e bem. A minha mãe também já me disse precisamente o que a tua te disse a ti. Mas também me disse que se arrepende de não me ter dado irmãos porque teme que, à falta deles, um dia eu não tenha mais ninguém. E foi isso que me fez saber que isso é algo que quero sem dúvida dar aos meus filhos.
    Irei acompanhar-te e ainda que não te conheça, aqui fica a oferta mais sincera possível de que se precisares de alguma coisa tens aqui um ombro amigo – e não me refiro apenas a um ombro virtual. Boa sorte neste teu caminho.
    Um grande beijinho.

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  2. Obrigada Su. Descobri o teu blog ontem por acaso e tem receitinhas deliciosas que quero experimentar em breve :)
    Mas de todos esse post sobre ser filho único foi o que me motivou a escrever. Porque também eu não quero ter apenas um filho (ainda não tenho nenhum) e sempre pensei assim desde criança, mas mais ainda agora. E pelo lado negativo de se ser filho único...
    Não tem sido fácil aguentar este barco. Fiz este blog porque queria fazer um registo para me orientar melhor no tempo e registar algumas coisas importantes mas especialmente como desabafo. Nem sempre escrevo à medida que as coisas acontecem, inclusive escrevi para trás acontecimentos passados mas que marcaram. És bem vinda a ler, sempre que quiseres.
    beijinhos mamã bailarina

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